Pesquisador propõe nova classificação para espécie de planta com base na história evolutiva 23/07/2020 - 11:32
Estudar a árvore genealógica de plantas e propor a modificação em um estudo centenário. De forma resumida, é isso o que fez o pesquisador Elson Felipe Sandoli Rossetto, bolsista técnico do Herbário da UEL, do Centro de Ciências Biológicas (CCB). Em artigo recente, publicado na revista internacional PhytoKeys, ele propôs uma nova classificação para espécies até então reconhecidas no gênero Pisonia, com base na sua história evolutiva. Em conjunto com o pesquisador Marcos A. Caraballo-Ortiz, do Instituto Smithsoniano, dos Estados Unidos, eles reestabeleceram o nome de dois gêneros: Ceodes e Rockia. Com a proposta, o nome deles vai ser incluído aos nomes científicos das espécies transferidas para esses gêneros.
Pisonia, Ceodes e Rockia são gêneros de plantas encontrados em ilhas dos oceanos Pacífico e Índico. O Rockia, por exemplo, tem uma espécie que só ocorre nas ilhas do Havaí. Como ponto semelhante todos possuem frutos seco em consistência e produção de viscosidade. Essas e outras características os colocaram apenas em um gênero, o Pisonia. Entretanto, o recente estudo apontou que elas diferem quanto ao ancestral comum, por isso foram reclassificadas e tiveram os nomes "ressuscitados" na comunidade científica.
O trabalho é derivado da dissertação de mestrado em taxonomia de plantas, na Pós-graduação em Ciências Biológicas, do CCB, defendida em 2016. A pesquisa "Filogenia da tribo Pisonieae Meisn. (Nyctaginaceae): delimitação genérica e evolução de caracteres morfológicos" teve orientação do professor José Eduardo Lahoz da Silva Ribeiro, do Departamento de Biologia Animal e Vegetal, do Centro de Ciências Biológicas (CCB).
Estudo - O artigo retomou a classificação do gênero Pisonia, feita pelo austríaco Anton Heimerl, há mais de 100 anos. Ele dividiu nos três gêneros citados, alegando diferenças nas flores e pólen. Na década de 1960, porém, o holandês J. F. Stemmerik os colocou novamente em um só gênero, com base em uma decisão subjetiva. Apesar de terem frutos secos e com secreção viscosa, elas se diferenciam morfologicamente pela flor, mas o pesquisador não considerou tal característica.
O brasileiro, então, utilizou a classificação baseada na história evolutiva das plantas, para restabelecer os nomes de gênero aceitos - Ceodes e Rockia. Isso significa que ele construiu uma filogenia, uma espécie de árvore genealógica, a partir de sequência de DNA. "A filogenia é a melhor forma de construir história evolutiva de um grupo. Ou os organismos similares entre si formam realmente uma linhagem única, descendentes de um ancestral comum mais recente, ou surgem em várias linhagens, de forma paralela", afirma Felipe Rossetto.
Ele exemplifica com a linhagem da família Silva, muito comum no Brasil. O estudo da filogenia poderia mostrar, por exemplo, se todas as pessoas derivaram de um ancestral Silva ou se várias linhagens surgiram e não tem parentesco próximo. "Dá pra fazer isso com qualquer ser vivo", explica.
Segundo Rossetto, a filogenia mostra que Pisonia, como definida por Stemmerik, é formada, na verdade, por três linhagens distintas que não tem o mesmo ancestral comum mais recente. "Eles têm o mesmo tataravô, mas não o mesmo avô. Se a classificação do Stemmerik realmente refletisse a história evolutiva desses gêneros, Ceodes, Rockia e Pisonia deveriam ser uma única linhagem com o mesmo avô", defende. É o que a ciência chama de convergência evolutiva, em que os organismos similares surgem de formas independentes.
A classificação baseada em filogenias tem se expandido nas últimas décadas, devido à popularização do acesso às sequências de DNA e também aos métodos computacionais. Por este motivo, o pesquisador afirma que ela é mais estável que outros tipos de classificação, que se baseiam apenas em similaridades morfológicas, como realizada tradicionalmente, e pode dar uma classificação que dure para sempre.
Internacionalização - Felipe Rossetto fez um trabalho de levantamento bibliográfico, com base na literatura internacional, que só foi possível por cooperação com pesquisadores de outros países. O artigo foi elaborado em conjunto com o porto-riquenho Marcos A. Caraballo-Ortiz, do Instituto Smithsoniano, dos Estados Unidos. Para tradução dos textos, ele contou com a colaboração do russo, Alexander Sukhorukov, da Universidade de Moscou Lomonosov, da Rússia.
Com toda a especialidade nos estudos desses gêneros, Felipe relata que nunca teve contato com as plantas no campo. Porém, não foi isso que o impediu de fazer a pesquisa. Ele não precisou coletar dados e ir até os herbários onde elas estão. "Não depende de ir até a localização delas. O que depende é ter acesso às informações e imagens das plantas em herbários virtuais", defende.
Nome - Com a proposta de reclassificação, os nomes das espécies recebem o nome dos pesquisadores que propuseram a mudança. Elas são denominadas, por exemplo, Ceodes amplifolia (Heimerl) E.F.S.Rossetto & Caraballo - incluindo as iniciais e o sobrenome do pesquisador brasileiro, juntamente com o do porto-riquenho. Rossetto afirma que o banco de dados de nomes científicos de plantas é atualizado e, no caso, nessa área de classificação, as pessoas que propõem a mudança do nome ficam mais evidentes entre os pesquisadores. "A comunidade é pequena, então é mais fácil para ser reconhecido", afirma o pesquisador.
Herbário - O Herbário da UEL, local onde Felipe Rossetto atua, contém 54.600 amostras de plantas, a maioria do Paraná, principalmente da bacia do rio Tibagi. Criado em 1982, ele está ligado ao Departamento de Biologia Animal e Vegetal, do Centro de Ciências Biológicas (CCB). Além das atividades de pesquisa do departamento, o herbário atende pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de Ciências Biológicas, Agronomia, Zootecnia, Química, Farmácia e Tecnologia de Alimentos e Medicamentos e Veterinária, bem como alunos e pesquisadores de diferentes instituições.
O Herbário da UEL é cadastrado no Index Herbariorum, plataforma internacional que fornece um diretório global de herbários.