Neddij garante direitos de crianças e adolescentes vulneráveis em tempos de pandemia 13/10/2020 - 09:09
O Núcleo de Estudos de Direito e Defesa da Criança e do Adolescente (Neddij), que funciona na Universidade Estadual de Maringá (UEM), registrou crescimento na violação dos direitos da criança durante a pandemia. Desde março deste ano, foram 148 atendimentos iniciais, em comparação a 91 realizados no mesmo período de 2019, o que torna mais importante, ainda, o trabalho do Núcleo, que luta para divulgar números menores, especialmente, nesta época em que se comemora o Dia das Crianças, 12 de outubro.
O Neddij da UEM foi criado em 2006, a partir de um convênio firmado entre Instituições Estaduais de Ensino Superior do Paraná (IEES) e o Governo Estadual, por meio da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). Hoje, há núcleos nas universidades de Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Irati, Paranavaí, Francisco Beltrão, Jacarezinho e Marechal Cândido Rondon, que realizam os atendimentos da população que reside nos municípios que compõem as respectivas Comarcas.
“O objetivo do Neddij é oferecer atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente que se encontre em situação de vulnerabilidade ou tenha seus direitos violados ou ameaçados, assim como àquele a quem se atribua a prática de atos infracionais. O Neddij da UEM é norteado por uma filosofia que mescla idealismo, voluntariado, profissionalismo e solidariedade. É formado por professores, advogados, psicólogos e estagiários, e realiza atendimento jurídico e psicológico a crianças e adolescentes, que residem na Comarca de Maringá, sob o aspecto de risco social, jurídico e material”, explica a professora Amália Regina Donegá, coordenadora do Núcleo da UEM e docente do Departamento de Direito Público.
O Neddij da UEM é, na verdade, um programa de extensão universitária, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PEC). O Núcleo é composto por membros das áreas do Direito e da Psicologia. São três advogados, Arthur Pazinato Donatti, Heloise Rosin Cella e Luana Rocha Bissochi; uma psicóloga, Priscila Regina Regassi; cinco estagiários bolsistas da área de Direito, Ana Clara Baggio Violada, Gabriella Souza Dias, Santiago Querol Pinto, Natalia Bataglini Scanferla e Vitória Amorim Bueno; uma estagiária bolsista de Psicologia, Isabel Sélua Spada; e dois estagiários voluntários da área de Psicologia, Daniele Aparecida da Silva e Gabriel Beraldi Mandarino. Ainda fazem parte da equipe duas docentes, Amália Donegá, a coordenadora geral e da área de direito; e Edneia José Martins Zania, a orientadora da área de psicologia. Recentemente, ainda se uniu a equipe uma residente na área de Psicologia.
O trabalho – A assistência jurídica ofertada gratuitamente pelo Neddij abrange ações da área cível, com enfoque no direito de família, envolvendo os direitos de guarda, tutela, adoção, alimentos, regulamentação de visitas, execução de alimentos, homologação de acordos, medida de proteção, ações de destituição do poder familiar. Trabalha, também, nas questões que envolvem a infância cível, como por exemplo, impetrando mandado de segurança para obtenção de medicamentos, leite, vagas em creche. Perante à Vara da Infância e da Juventude, os advogados são nomeados a fim de promoverem a defesa dos adolescentes que respondem a ações socioeducativas.
Há ainda o suporte da área da Psicologia, que atua nos casos de guarda, tutela, adoção, medida de proteção e destituição do poder familiar, por meio de escuta qualificada, acolhimento psicossocial, orientações, mediação de conflitos e encaminhamentos. “Essa atuação vem possibilitando uma humanização dos procedimentos judiciários na medida em que resgata e busca compreender os sujeitos envolvidos, os auxiliando a lidar da melhor maneira possível com os conflitos e reduzindo os danos psicológicos causados pelo litígio. Além disso, nossa proposta é promover a busca por um atendimento integral à população que busca o Neddij, acionando as políticas públicas, quando necessário”, explica a psicóloga Priscila Regina Regassi.
Recentemente, o armazenamento dos arquivos contendo as informações dos assistidos passou a ser feito em servidor externo (em nuvem), por meio do serviço Google Drive. O acesso foi possível pela integração de recursos informáticos da UEM com a Google G Suite, antiga Google Apps for Education. Já no mês de junho, para melhor armazenamento destes dados, a equipe de estagiários propôs a implementação de ferramentas digitais para criar um banco de dados mais dinâmico dos atendimentos do Núcleo.
Nos primeiros anos, todos os atendimentos eram realizados em uma ficha preenchida à mão e impressa, em seguida. Mais tarde, este formulário passou a ser preenchido no computador com auxílio de software de edição de texto e a ficha era impressa e arquivada fisicamente. “O grande mérito e a principal função do sistema todo digitalizado, que temos hoje, além de agilizar os atendimentos e a elaboração de algumas peças jurídicas, é a sistematização na coleta e organização no armazenamento dos dados. Com isso, fica mais fácil acessar essas informações para posteriores estudos, relatórios e análises estatísticas. Essa possibilidade é muito útil ao aprimoramento da atuação do Neddij”, explicou o estagiário da área de Direito, Santiago Querol Pinto.
Números – Com a recente implantação do Sistema, já foi possível identificar várias informações importantes. Conforme se observa no site https://sites.google.com/uem.br/neddij-dados, da data de 3 de junho a 25 de setembro deste ano, a maior demanda do Neddij, em uma porcentagem de 63,3% foi de ações de guarda, alimentos e/ou visitas, enquanto as ações que envolvem execução de alimentos corresponde à 16,3% e as medidas de proteção à criança e ao adolescente 10,2% do total de atendimentos.
Ainda se observa, que em relação ao parentesco com as crianças, 75,8% das pessoas que procuraram o Neddij para entrar com ação são mães das crianças, 14,3%, e 10,2% avós, estando em número inferior às irmãs e madrinhas, na porcentagem de 2%.
Além disso, é possível, verificar correlações significativas. Por exemplo, “entre o imóvel onde vive a família assistida ser alugado, cedido, próprio ou financiado e a quantidade de outros moradores com renda própria. Quando a residência é alugada, há significativamente mais moradores com renda própria, em média; quando o imóvel é próprio ou financiado, praticamente não se verificou que a renda familiar seja complementada por outra pessoa a não ser por quem veio procurar o auxílio do Neddij”, completou Santiago.
Pandemia – O período de isolamento social criou números diferenciados, segundo a equipe do Neddij. O direito à convivência familiar e comunitária, que é uma garantia fundamental, por exemplo, sofreu um duro golpe com o advento da pandemia causada pelo coronavírus, produzindo ainda maior distanciamento entre os membros da família da criança ou adolescente acolhidos.
“O vínculo familiar protegido pela Constituição Federal encontra-se prejudicado durante o período de pandemia, o que conduz à necessidade de se aplicar medidas de proteção que sejam eficazes para fazer cessar a situação de risco. Neste período de estado de calamidade sanitária, sugere-se que, apenas em circunstâncias em que se constate uma excepcional necessidade, seja determinado o acolhimento institucional. Porém, desde janeiro de 2020, foram atendidos 21 casos de medidas de acolhimento, e, após o início da pandemia, 20 de março, quando se iniciou o trabalho remoto por parte da equipe, foram registrados mais cinco casos de crianças que foram afastadas de suas residências, indo para acolhimento institucional ou inseridas no programa Família Acolhedora. E mais: por conta das medidas de distanciamento, as visitas entre os familiares a fim de restabelecer os vínculos, foram prejudicadas. O contato está ocorrendo somente via telefone e aplicativo de mensagens. Isso nos mobilizou muito, nesse momento de trabalho remoto, pois, sempre estamos buscando a melhor forma de reinserir essa criança na família natural ”, disse Heloise Rosin Cella, advogada do Neddij-UEM.
Psicologia – Desde o ano passado, a equipe de Psicologia do Neddij vem passando por mudanças em sua forma de atuação, superando um trabalho de cunho mais investigativo-avaliativo e voltando-se para um trabalho psicossocial e compartilhado. Hoje, o atendimento de triagem e acolhimento, por exemplo, é realizado em conjunto por estagiários de ambas as áreas: Direito e Psicologia.
“Isso permite que a Psicologia escute e acolha aos assistidos desde sua inserção no serviço, possibilitando o levantamento de demandas que suplantam aquela que é objeto do processo jurídico, como por exemplo, necessidades assistenciais, educacionais ou de saúde, promovendo um atendimento integral à criança ou adolescente e sua família”, disse a professora Edneia José Martins Zaniani, orientadora da área de Psicologia.
Dentro desse processo de reestruturação, a equipe de Psicologia vem enfrentando um novo desafio: o atendimento remoto durante o período pandêmico. No início da pandemia, foram realizados levantamentos de casos que exigiam mais atenção e, por meio do celular do Neddij, essas pessoas foram contatadas, a fim de se saber as necessidades do momento e não interromper o vínculo já estabelecido com o Núcleo. Em seguida, a equipe criou outras estratégias e tem feito contato com os assistidos e com os órgãos da rede por meio de ligações, e-mail ou mensagens de WhatsApp, para esclarecer situações particulares, solicitar informações, realizar algum tipo de encaminhamento ou informar sobre o andamento do processo.
“Lembramos que o atendimento psicológico, segundo o artigo 3º, da Resolução nº 4/2020, do Conselho Federal de Psicologia, que regulamenta a prestação de serviços psicológicos por meio da tecnologia, durante a pandemia, autoriza apenas psicólogos com cadastro na plataforma e-Psi a atuar de modo remoto. E, na busca de tornar o trabalho mais igualitário, durante o mês de julho, foi realizado uma capacitação dos estagiários de Psicologia”, explica a professora Edneia.
“Vivemos um momento único, que desafia os profissionais e estagiários a olharem para seus modelos tradicionais de atuação, analisando os que não são mais cabíveis e aqueles que a realidade da população vulnerável assistida virá a exigir. Por isso, mesmo com o isolamento e com todas as dificuldades citadas, valorizamos as discussões em equipe e a troca de vivências e experiências como modo de seguir a construir uma formação e atuação profissional compromissada socialmente com aqueles que historicamente tiveram, e continuam tendo, seus direitos sociais básicos violados”, disse a estagiária Isabel Spada.
Assim, reforça-se a importância do Neddij que oferece serviços de assistência jurídica gratuitos para uma parcela vulnerável economicamente da sociedade sem contar com o respaldo psicológico. “Neste contexto, a criação dos Neddij dentro das universidades do Paraná representou importante avanço para a consolidação da garantia constitucional de acesso à justiça, mesmo em tempos de isolamento social, um período excepcional, que impôs barreiras para o contato social. Aliás, serviços como este demandam por expandir sua atuação em momentos de crise, nos quais as desigualdades acabam se acentuando, impondo que novas metodologia de atendimento sejam implementadas, sem, contudo, interromper suas atividades, mas empregando maiores esforços para a concretização de seus trabalhos”, completou a coordenadora Amália Regina Donegá.
“O Neddij é um importante projeto de extensão, que foi viabilizado nos últimos anos pelo programa Universidade Sem Fronteiras da Seti, tem se destacado na proteção dos direitos da infância e da adolescência, desenvolvendo além dos atendimentos, ciência, que alimenta novas políticas públicas na área. Este ano, além dos integrantes da USF tivemos a inclusão de uma psicóloga da Residência Técnica em Gestão Pública que, certamente aprenderá muito e também contribuirá com todos os participantes”, finalizou a pró-reitora de Extensão e Cultura da UEM, Débora de Mello Sant’Ana.